Márcia’s Bar é Um Espaço De Amor E Resistência Sapatão No Coração Da Cidade Baixa Em Porto Alegre

Márcia Ferreira de Oliveira, de 50 anos, e Márcia Dornelles, de 59, são um parelha há quatro anos. Quem as vê durante a noite, atendendo clientes e se desdobrando entre o caixa e a cozinha da simpática garagem na Rua Joaquim Nabuco, pouco ou zero imagina da história dessas mulheres.

O ano era 2021 quando se conheceram pela internet, por insistência de amigos. A Márcia Oliveira morava em Carlos Barbosa, a Márcia Dornelles, em Porto Jubiloso, mas uma vez que diz a frase já conhecida no meio lésbico: “caminhão gosta de rodar”. Assim, elas encaravam longas horas de estrada para estarem juntas.

O tempo era de pandemia e quando a Márcia de Porto Jubiloso, funcionária pública, começou a trabalhar em home office, ela não pensou duas vezes: pegou um computador e subiu a Serra para permanecer próxima da companheira.

Lá moraram até o ano de 2022. Márcia Ferreira, que é proveniente de Artigas e foi adotada por uma família de Quaraí – depois mudou pra Serra Gaúcha – estava cansada do seu trabalho, e resolveu que queria viver de outra forma. Voltaram a Porto Jubiloso com um sonho e muita vontade de fazer sobrevir.

Quando questionadas, uma fala sobre a outra, com a mesma naturalidade de quem fala sobre si mesma. Um tipo de casal-entidade, daqueles que se entende somente com o olhar. Se tratam com carinho, se elogiam, se exaltam. Sempre tem uma vocábulo formosa para falar a reverência da outra.

No início, a vontade era ter um empreendimento: pensaram em pizza, compraram os equipamentos, mas enfrentaram a suspicácia e o preconceito. “Ninguém acreditava em mim, eu era muito maluquinha. Até que conheci a Márcia, que me aceitou e acreditou em mim”, relata Dornelles. “Ela quem me salvou, junto com meu rebento.”

“Eu disse pra ela: você escolhe, a vida de ‘loucuragem’ ou eu”, complementa Oliveira.

Montaram uma barraca de churrasquinho na garagem de mansão. Era um início, que ainda não tinha muito movimento e por isso acabavam fechando cedo. Até que um dia, um colega da mesma rua – de outro bar – aconselhou: gurias, fiquem hoje até mais tarde. “Parece que Deus despejou um balde de gente na rua. Aquele dia nós bombamos!”


E assim, foi se estabelecendo um lugar hospitaleiro e plural na Cidade Baixa / Foto: Rafa Dotti

E assim, foi se estabelecendo um lugar hospitaleiro e plural na Cidade Baixa. Aos poucos, foram ampliando a cozinha, o cardápio (que hoje conta com quitutes variados e sempre preparados no dia) e o espaço, que antes das enchentes costumava ter karaokê, jukebox e um balcão de drinks.

As duas trabalham muito. Recebem fornecedores, fazem encomendas, arrumam o espaço. “Quem tem bar quase não tem vida”, desabafa Dornelles. Ela conta que costuma permanecer no caixa, mas que não gosta de permanecer sozinha nessa função. Diz que fica com saudade da companheira, que é responsável pela cozinha.

“Eu confio muito quando a Márcia está na cozinha, sei que vai permanecer tudo perfeito, ela é muito cuidadosa.”

“Eu sou é muito chata”, revida a outra. As duas sorriem, cúmplices.

Márcia Ferreira conta que trabalhou por muito tempo uma vez que terceirizada numa cozinha industrial: “Lá tudo era muito organizado, muito certinho e eu aprendi assim. Hoje, no bar, a cozinha é simples, mas é muito, muito limpa. Eu paladar de ter tudo arrumadinho.”

A maior segmento do público frequentador é LGBTQIAPN+ e elas percebem que as pessoas gostam mais ainda do bar quando descobrem que são um parelha.

Ferreira conta que quando era jovem, sua mãe a “empurrava” para namorar homens, mas que ela nunca aceitou. Dornelles foi casada com um varão e tem filhos desse relacionamento, que hoje são assumidos pela companheira: “A minha filha se dá melhor com a Márcia (Ferreira) do que comigo. As duas se entendem muito. A Marcele, agora é filha nossa”.

A relação se fortalece com o esteio dos amigos e da família. Márcia Dornelles ri, lembrando de um natalício da companheira, onde seus amigos foram mais presentes do que no seu próprio natalício. Uma é geminiana, a outra é leonina e o diálogo é a base do relacionamento delas.

“Mesmo que a gente brigue, uma hora a gente se entende. Um lado ou outro sempre cede. Eu faço por ela e ela faz por mim”, pondera Oliveira. Mas para viajar e aproveitar a vida, é ali que elas sempre combinam. Agora estão planejando uma viagem de carruagem até o Rio de Janeiro.

Quem dá a última vocábulo – tanto no bar quanto em mansão – é Márcia Oliveira. “Ela é sargentona!”, diz Dornelles, entre risos.


Juntas, elas encaram as peripécias de ter um bar na Cidade Baixa. Desde os incômodos corriqueiros, uma vez que alguns clientes inconvenientes, até a devastação que a enchente causou em maio deste ano / Foto: Rafa Dotti

Juntas, elas encaram as peripécias de ter um bar na Cidade Baixa. Desde os incômodos corriqueiros, uma vez que alguns clientes inconvenientes, até a devastação que a enchente causou em maio deste ano. O bar ficou submerso, muitos equipamentos foram perdidos, elas estavam apreensivas com o risco de assaltos na região e ainda tiveram dengue. Mas juntas, elas se cuidaram, uma vez que sempre fazem, deram as mãos e recomeçaram. Limparam o lodo e refizeram o espaço, sem nenhum tipo de auxílio do Poder Público.

“No primeiro dia que abrimos depois da enchente, veio muita gente! Foi uma alegria e uma esperança! Foi bonito de ver, porque eu não queria mais voltar”, conta Dornelles. “Eu sonhava, e chegava a passar perfume nas narinas por motivo do cheiro que ficou. Mas agora passou.” Os planos delas pro horizonte incluem seguir trabalhando, e juntar verba para tirar férias.

“A gente não pode reclamar da nossa clientela. Tem bastante gente muito lítico. A maioria é LGBT, mas vem hetero também. As vezes a gente se engana, ofídio menos, e o pessoal vem atingir. Tem gente que retira seus copos, ajuda a recolher as mesas. E quando descobrem que a gente é um parelha, eles ficam muito felizes.”

“Eu sei que realmente existe o racismo e o preconceito. Eu morei em Carlos Barbosa, que é uma cidadezinha pequena e muito complicada. Mas eu sei o que sou e de onde eu vim e isso não me abala. Graças a Deus, cá eu não sofro isso”, desabafa Oliveira.


“Eu sei que realmente existe o racismo e o preconceito. Mas eu sei o que sou e de onde eu vim e isso não me abala. Graças a Deus, cá eu não sofro isso” / Foto: Rafa Dotti

O bar é considerado pelos clientes uma vez que um bom lugar para tomar aquela última cerveja – as mesas na lajeada resistem madrugada adentro, apesar da repressão do poder municipal. E ainda leva a notabilidade de ter o melhor pastel da região – com recheio montado à escolha do cliente, e em dois tamanhos. E a certeza de que as duas estarão lá, recebendo os clientes no seu ritmo, que também é o ritmo da tradicional boemia da cidade.


O bar é considerado pelos clientes uma vez que um bom lugar para tomar aquela última cerveja – as mesas na lajeada resistem madrugada adentro, apesar da repressão do poder municipal / Foto: Rafa Dotti

Manancial: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Katia Marko


Fonte: CRENTE NEWS

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Leibe Felipe

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Leibe Felipe é um Jovem Cristão, Fundador da Escola Cristã Humaniza, Especialista em Estratégias Digitais e Marketing Politíco -> @felipeleibe

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