Megamente e as conseqüências de um ambiente falho (final) – Dr. Lucas Nápoli

Desapontado por não ter conseguido ocupar Rosana, o herói sintético Titã resolve fazer exatamente o contrário do que lhe havia sido proposto por Megamente. Começa a aterrorizar Metrocity com uma crueldade que nem mesmo Megamente seria capaz de empregar.

A gênese da destrutividade em Titã

Essa mudança no comportamento de Titã evidencia mais uma vez o caráter reativo do mal e da agressividade, cuja intensidade é diretamente proporcional ao impacto das decepções vivenciadas pelo sujeito. Titã não age movido pela força de uma pulsão de morte exteriorizada, mas sim por uma dinâmica afetiva marcada pelos sentimentos de humilhação e desilusão decorrentes da interação com um envolvente que o frustrou. Ele poderia ter reagido de modo dissemelhante, até mesmo não hostil, caso não tivesse se sentido tão onipotente uma vez que se sentira ao saber dos poderes que havia adquirido. Ao se julgar capaz de conseguir tudo o que queria no momento em que se tornara um herói, o jovem Hal refugiou-se numa fantasia de onipotência que não o permitiu reconhecer a resistência que a verdade estabelece à realização de todo libido.

Titã acreditara que se havia se tornado irresistível à repórter e ao ter seu libido gorado, o anti-herói acabou se dando conta do caráter imaginoso do seu sentimento de onipotência, constatação que o fez se sentir ameaçado. Enfim, se mesmo se tornando um herói, ele não era capaz de ocupar seu objeto de paixão, isso significava que ele era essencialmente um incompetente, um fraco, enfim, todos os adjetivos com os quais seu supereu lhe caracterizara. Sentindo-se, portanto, humilhado e ameaçado pelas críticas superegóicas que, nesse momento, devem ter grassado, Titã percebe que a única forma de restaurar sua potência e repelir esse sentimento de humilhação é tornando-se hostil, cruel e utilizando seus poderes para o mal.

Um herói sintético

Na outra ponta da história temos uma situação radicalmente dissemelhante. Megamente, cuja vida afetiva outrora era bastante semelhante à atualmente experimentada por Titã, vivencia agora outra modalidade de relação com o mundo, um tipo de interação espontânea, não-agressiva, bondoso. Porquê vimos, essa transformação foi produzida pelo encontro com o paixão e a acolhida sincera da repórter Rosana Rocha que, não obstante, ainda cria que se relacionava com o bibliotecário Bernard. Num dos encontros entre Megamente e a repórter, o ex-vilão deixa, sem querer, que Rosana o veja tal uma vez que é, ou seja, uma vez que um ET azul de cabeça grande. É mais um momento de taboca no filme, que faz com que a repórter encerre o encontro e vá para morada.

Megamente, no entanto, volta a procurar Rosana a termo de ir com ela até a antiga morada de Metroman com vistas a encontrar uma forma de parar Titã, o qual vinha fazendo da cidade um caos. A repórter concorda em ir com o ex-vilão e, na residência de Metroman, acabam se encontrando com o próprio de roupão e barba por fazer. O herói não havia morrido, mas exclusivamente saído de cena e é a explicação sobre o que o levara a fazer isso que nos interessa cá.

Metroman disse que estava se sentindo cansado de ter que enfrentar cotidianamente aquelas batalhas com Megamente e ter que sustentar aquele papel de “o salvador de Metrocity”. Tudo aquilo parecia não fazer mais sentido pra ele. Na verdade, o que fica simples é que, de roupa, nunca fizera sentido, pois o que motivava as atitudes heróicas de Metroman não era o seu libido de fazer o muito, mas as demandas do Outro que lhe reivindicaram desde a puerícia a assunção da identidade de herói. Nunca lhe perguntaram o que ele de roupa gostaria de fazer da vida. O envolvente à sua volta escolheu seu orientação à sua revelia, pressupondo que, pelo roupa de apresentar superpoderes, ele devesse necessariamente tornar-se um herói.

É nessa segmento do filme que nos damos conta de que tanto Megamente quanto o Sr. Perfeitinho foram formados em um envolvente falho, insuficientemente bom. No caso de Megamente, as falhas se manifestaram uma vez que hostilidade e falta de guarida às suas potencialidades. Já no caso do Sr. Perfeitinho, a frase da insuficiência do envolvente foi muito mais sutil. Com efeito, o garoto só recebia elogios, era adorado por todos à sua volta, não experimentando um minuto sequer de hostilidade. Por que, logo, o envolvente foi falho?

As duas modalidades de lacuna ambiental

Tragamos Winnicott novamente à baila para nos ajudar a pensar acerca disso. Para Winnicott, o envolvente pode falhar na adaptação ao bebê de duas maneiras. Uma delas (é a que ocorreu no caso de Megamente) acontece quando o envolvente frustra precocemente as expectativas do bebê, não permitindo a ele estabelecer uma relação de confiabilidade com o mundo. O protótipo dessa interação é a mãe que só fornece o seio ao bebê em seguida o momento em que o infans alucina a presença do seio à sua frente, ou seja, ocorre um desencontro entre a urgência do bebê e a presença do objeto que satisfaria essa urgência. Nesse estágio da vida da moçoilo, tal desencontro não pode ocorrer, pois, para estabelecer uma relação de crédito com o envolvente, o bebê precisa testar a ilusão de que foi ele próprio quem criou o seio, ilusão que só pode ser vivenciada se o seio aparece no exato momento em que o bebê o deseja.

O outro ripo de lacuna ambiental provável ocorre quando o envolvente não deixa espaço para a revelação espontânea do libido do sujeito. Naquela situação modelar a que fizemos referência, essa lacuna se manifestaria pela apresentação do seio antes que o bebê sentisse a urgência de mamar. Essa quesito impossibilita a ilusão de onipotência da moçoilo da mesma forma que a anterior. Se naquela o seio veio moroso, nessa veio avançado. De todo modo, não veio no tempo do bebê, ou seja, o envolvente não agiu de congraçamento com a espontaneidade da moçoilo, mas sim de congraçamento com suas próprias demandas.

A conseqüência desse segundo tipo de lacuna ambiental é, uma vez que no primeiro, a geração de um falso-self. Todavia, enquanto no primeiro caso o falso-self é criado marcado pela reação agressiva à frustração perpetrada pelo envolvente e em seguida uma cogitação prévia acerca do que ele espera do sujeito, no segundo caso as coisas se passam de forma um pouco dissemelhante. As demandas ambientais já se presentificam no momento mesmo da lacuna. De roupa, ao apresentar o seio antes que o bebê tivesse urgência dele, o envolvente já está obrigando a moçoilo se sujeitar a seu ritmo, isto é, à suas demandas. O bebê é forçado a trocar seu libido instintivo pelo libido do envolvente e, em decorrência, adotar uma identidade sintético que agrade a esse envolvente. Junto com a espontaneidade, vai-se embora também a agressividade que não tem sequer ocasião de manifestar-se naturalmente, pois o envolvente não permite que o bebê apresente frustrações. Ao invadir a existência do bebê com um seio inesperado, é uma vez que se o envolvente dissesse à moçoilo: “Não se preocupe, você não precisará nem mesmo sentir a urgência do seio. Ele estará cá o tempo todo. Mame-o”.

Ora, a puerícia do Sr. Perfeitinho não fora basicamente assim? Empanzinado com as demandas à sua volta que o solicitavam a provar seus incríveis superpoderes e, posteriormente, a utilizá-los no combate ao mal, Metroman nunca teve a oportunidade de expressar-se espontaneamente, de fazer o que verdadeiramente desejava. Aquele que todos aclamavam uma vez que herói, possuía, na verdade, pretensões muito mais modestas. Queria fazer o que todo cidadão generalidade faz e, ou por outra, tornar-se cantor de rock, mesmo que não tivesse lá muito talento para isso…

O herói Megamente

Posto que tenham ouvido Metroman manifestar isso com toda a transparência, Megamente e Rosana continuam fazendo o papel de envolvente falho para o agora ex-herói, pedindo insistentemente a ele que vá até a cidade para vencer o Titã. Felizmente, para sua saúde, Metroman recusa-se a submeter-se novamente às demandas do Outro, atitude que tem um efeito terapêutico duplo, pois leva Megamente a encontrar-se com sua verdadeira vocação, que é a de herói! É nesse momento que o ET azul abandona de vez a identidade de vilão, indo combater Titã. Depois algumas reviravoltas, Megamente finalmente consegue restaurar o aparelho capaz de retirar daquele a origem de herói, transformando-o novamente no tímido câmera Hal. Megamente é, logo, aclamado por toda Metrocity uma vez que o novo herói da cidade e recebe, por tábua, o paixão de Rosana.

Concluindo

“Megamente” se apresenta uma vez que uma ilustração riquíssima dos modos singulares de revelação de um espectro psicopatológico que afeta essa dimensão necessário da experiência humana à qual denominamos de identidade. No meio do palco temos um sujeito cuja experiência de ser de modo real é perturbada pela hostilidade e repudiação que recebe quando moçoilo e que se reage a essa frustração ambiental tornando-se destrutivo. Do outro lado, temos um herói artificialmente construído pelas demandas à sua volta e que, de roupa, nunca quis ocupar essa função, mas tivera que fazê-lo à força, pois não fora respeitado em sua espontaneidade.

Ao final do filme ambos encontram seu verdadeiro orientação e exibem aquela alegria que brota naturalmente no corpo daquele que sente que a vida faz sentido e que sentem aquela experiência que Winnicott descobriu ser a mais fundamental e imprescindível na vida de qualquer sujeito, que é a experiência de perenidade do ser. De roupa, Megamente e Metroman só conseguem resgatar essa experiência que neles sofrera interrupção na puerícia quando o falso-self de ambos perde a consistência e dá lugar ao verdadeiro self. Em Megamente isso aconteceu a partir da interação com um envolvente hospitaleiro, instintivo e interessado representado pela repórter. Já com Metroman, a transformação ocorreu uma vez que o fruto de uma decisão corajosa, motivada pelo cansaço da identidade sintético.

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Leibe Felipe

Leibe Felipe

Leibe Felipe é um Jovem Cristão, Fundador da Escola Cristã Humaniza, Especialista em Estratégias Digitais e Marketing Politíco -> @felipeleibe

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