Em seguida assumir definitivamente a identidade de vilão, a única provável de adotar dentro do contexto hostil em que vivia, Megamente passa a travar grandiosas batalhas com o outrora Sr. Perfeitinho e agora herói da cidade, Metroman. O vilão cresce tendo tais lutas porquê sua principal ocupação.
Renome de mau
O evento principal do filme, que deflagrará as condições em que se dará o desfecho da narrativa, é o último combate entre Megamente e Metroman. Nessa ocasião, fica evidente aos olhos do testemunha que a identidade de vilão em Megamente é uma construção fundamentalmente sintético (falso-self) que não corresponde àquilo que o personagem de veste é em sua dimensão mais íntima. Com efeito, é impossível não notar o modo afetado com o qual Megamente expressa sua suposta malícia. Age porquê se de veste estivesse encarnando um personagem. Fica notório o veste de que, metaforicamente, está trajando uma vestimenta prêt-à-porter. Aliás, volta e meia Megamente mostra sinais de fragilidade e surtos de infantilismos (porquê os freqüentes erros nas pronúncias das palavras) que deixam bastante evidente sua quesito de imaturidade e do uso da identidade de vilão porquê resguardo.
Em outras palavras, Megamente aí se apresenta porquê um ser que se sente permanentemente ameaçado e que precisa fazer uso da “glória de mau” para conseguir suprimir essa sensação de desamparo e pânico. Demonstrei anteriormente que são justamente esses os sentimentos que, despertados precocemente no sujeito pelas falhas ambientais, suscitam a formação de um falso-self, na medida em que o self verdadeiro não foi suficientemente fortalecido para mourejar com eles.
Sem Metroman, sem Megamente
Dissemos que se trata da última guerra entre Megamente e Metroman porque esse último morre no combate, ou melhor, finge que morre, porquê veremos adiante. Por ora, sigamos a sequência do filme e nos coloquemos na posição do testemunha incauto que ainda não sabe os acontecimentos posteriores da história. Pois muito, a princípio, Metroman é considerado porquê morto, o que faz de Megamente o novo “proprietário” de Metrocity já que não haveria outra pessoa além do herói capaz de lutar contra ele.
Logo que se dá conta da suposta vitória, Megamente comemora o “feito” e passa a gozar a novidade vida de “manda-chuva” da cidade. No entanto, gradualmente vai-se abatendo sofre ele uma profunda melancolia, cujas razões o próprio vilão explica a seu leal companheiro, o peixe “Criado”, que não conseguia entender o porquê daquele estado. Megamente queixa-se de que sua vida perdera o sentido depois que ele havia “vencido” a guerra. Não havia mais ninguém com quem lutar e lutar contra Metroman era a única coisa que ele vinha fazendo ao longo de toda a sua vida.
Temos cá a ilustração perfeita do momento em que o falso-self é posto em xeque. Com efeito, a identidade falsificada é criada com a função doentia de servir porquê a máscara que o sujeito utiliza para se harmonizar a mundo hostil, caótico e falho. Quando o mundo em questão, ou seja, o mundo que demandou do sujeito o forjamento de um falso-self, desaparece, esse perde a sua consistência, pois não fora uma identidade criada espontaneamente, baseada na experiência psicossomática autêntica do sujeito, mas sim por oposição a alguma coisa. Nesse sentido, para subsistir, o falso-self precisa de um envolvente cominador e desfavorável, o que coloca o sujeito na situação de só saber reconhecer quem é por oposição a outrem. É essa a problemática de Megamente.
Não obstante, diferentemente do que poderíamos pensar à primeira vista, a vacilação, isto é, a perda de consistência do falso-self, expressa frequentemente através de estados depressivos, porquê o que viveu Megamente, não é ruim para o sujeito. Pelo contrário: a tristeza que se abate sobre o personagem é justamente o elemento que propiciará uma mudança em sua existência e o reencontro com sua espontaneidade perdida na puerícia.
O último suspiro do falso-self
Isso, todavia, não acontece de inesperado. O falso-self de vilão é tão poderoso e necessário para Megamente que, a princípio, o personagem tenta mantê-lo através da geração sintético de um novo herói para a cidade. Com esse intuito, Megamente extrai das caspas recolhidas de Metroman uma espécie de “núcleo do herói” com vistas a inoculá-la em qualquer varão a término de fazer do sujeito escolhido o novo herói, contra o qual o vilão pudesse duelar. Entretanto, a núcleo acaba sendo introduzida por casualidade no assistente da repórter Rosana Rocha que Megamente geralmente seqüestrava para atrair a atenção de Metroman.
O sujeito em questão trata-se de Hal, um jovem gordo, tímido e imaturo que nutre uma paixão secreta pela repórter. Ao se aperceber poderoso e com superpoderes devido à injeção da núcleo de Metroman, o jovem coloca para fora os traços de personalidade que se lhe encontravam latentes e transforma-se curiosamente na antítese de um herói: interesseiro, irresponsável e narcisista. Descobre-se, logo, que Hal alimentava poderoso inveja de Metroman, julgando que sua colega estava interessada no herói. Por conta disso, supõe que, por tornar-se herói, adquirira os requisitos suficientes para invadir Rosana – o que não acontece. Essa é sua primeira taboca. A segunda é relacionada a Megamente. Quando o vilão descobrira que a núcleo do herói havia sido inoculada no assistente da repórter, Megamente se transformara em um velho sábio e dissera ser o “pai espacial” do novo herói, ao qual dá o “criativo” nome de Titã. Quando Hal descobre que, na verdade, o suposto “pai espacial” era Megamente, sente-se novamente desenganado. Essa taboca aliada à primeira concernente ao paixão da repórter leva Titã a tornar-se mau. A cidade passa, logo, a ter dois vilões: Megamente e Titã.
Múltiplas personalidades
Antes de prosseguir com os acontecimentos que levarão ao desfecho da história, gostaria de comentar essa capacidade de Megamente de assumir a identidade de quem quisesse de maneira mágica. Trata-se de um traço posto no personagem que revela mais uma vez o significativo conhecimento psicológico do responsável da película. De veste, essa habilidade de se transformar em qualquer pessoa aponta mais uma vez para a problemática medial de Megamente e que diz reverência à sua identidade. A facilidade em se comportar de entendimento com as exigências do envolvente ou, em outras palavras, em trocar o agir natural pelas respostas às demandas do Outro é uma particularidade particularmente interessante do falso-self. Por não erigir sua identidade sobre a rocha da espontaneidade, o quidam que forja um falso-self passa a assumir diferentes identidades de entendimento com o envolvente em que se encontra. Trata-se de um verdadeiro camaleão que existe unicamente para se harmonizar às cores dos ambientes pelos quais passeia, sem um eixo irreduzível que expresse sua singularidade, que o diferencie da volume. Na experiência analítica, é preciso que o exegeta tome desvelo para não contribuir para o reforço de um falso-self, pois pacientes nessa quesito frequentemente adotam uma postura de submissão que pode ser aparentemente deleitável ao terapeuta e completar sendo confundida com a velha “transferência positiva”.
O vinda do verdadeiro self
Numa dessas várias transformações, Megamente acaba assumindo a identidade de um funcionário do museu devotado a Metroman chamado Bernard, um jovem intelectual. Aos poucos, Rosana começa a se gostar por Bernard, isto é, por Megamente se passando por Bernard, de modo que o vilão passa a testar pela primeira vez na vida o paixão sincero de alguém por ele. Megamente sente, logo, o primeiro contato com um envolvente hospitaleiro, afetuoso, não-hostil, representado pela figura da repórter. Nessa passagem do filme, podemos observar com nitidez a proposta winnicottiana de que nós nos constituímos a partir da interação entre nossas potencialidades inatas e o envolvente. O envolvente hospitaleiro proporcionado pela repórter extrai de Megamente (ainda encapotado na imagem de Bernard) toda a espontaneidade que o vilão teve que “recalcar” em função da hostilidade do envolvente se sua puerícia. Na pele de Bernard, Megamente não é reativamente repugnante nem manifesta qualquer tipo de comportamento afetado, porquê anteriormente. Pelo contrário, conversa com naturalidade, sente-se muito e até provoca alegria em Rosana.
Poderíamos fazer uma conformidade entre a atitude da repórter em relação a Megamente e a postura adotado pelo exegeta diante de um paciente massacrado por um falso-self. Posto que a repórter estivesse enganada quanto à pessoa com quem de veste estava se relacionando, sua atitude de protecção em relação a Megamente foi o elemento que permitiu ao personagem prescindir da sua identidade de vilão e passar a agir com espontaneidade. Em outras palavras, Megamente tornou-se “do muito” quando encontrou um envolvente que o permitiu ser assim, que não o obrigou a adotar uma máscara “do mal” para sobreviver. Essa dinâmica é semelhante àquela que acontece na relação entre o exegeta e uma analisando encarcerado nas jaulas do falso-self. É óbvio que o terapeuta não tem que se gostar pelo paciente para permitir a ele ser natural. A função do exegeta é produzir um envolvente de protecção verdadeiro e adequado às necessidades do paciente. Num envolvente dessa natureza, o falso-self perde sua função, pois o paciente não será obrigado a reagir nem a produzir uma personalidade forasteiro para se harmonizar, pois é o envolvente quem se adaptará a ele. Winnicott dizia que o falso-self era uma crosta criada pelo sujeito para proteger seu fragilizado verdadeiro self que não pôde se atualizar pela hostilidade do envolvente. Numa estudo muito feita, essa função se torna supérflua.
No próximo post, o último desta série, abordarei o fado e a personalidade de Metroman, personagem que, porquê veremos não era tão dissemelhante de seu competidor, Megamente. Será a ocasião propícia para apresentarmos as conclusões gerais a que o filme nos leva do ponto de vista da psicanálise.