A incapacidade de dar sentido nos eventos que permeiam o nosso cotidiano, pode ser considerada a maior manancial de impaciência que um ser humano experiencia na vida
Poste publicada na Revista Psique 72 – Dezembro de 2011
Por Fernando Savaglia
No pausa de poucos meses, cinco pessoas de distintas formações, profissões e histórias de vida, que não se conheciam dispararam, em meio às suas respectivas crises existenciais, uma mesma pergunta para mim: você acha que estou ficando louco?
Uma vez que psicanalista percebo claramente uma espécie de epidemia deste temor, que se não pode ser categorizado – pelo menos não nesses casos específicos, uma vez que uma lissofobia (temor de enlouquecer) – é, sem incerteza, um dos mais poderosos sintomas das contemporâneas psicopatologias do início de milênio.
Dada a subjetividade do que o noção de “loucura” provoca, me permito utilizar a nosologia da Psicanálise, que divide os seres humanos em neuróticos e psicóticos. Nessa abordagem, o “louco” seria aquele sujeito portador de lesão nos tecidos cerebrais ou de uma clivagem psíquica que dariam origem às psicoses, uma vez que esquizofrenia e/ou paranoia. A ciência ainda não pode mostrar com precisão uma vez que se dá a gênese destas doenças, porém sabe-se hoje que é uma liberação exagerada da dopamina pelo cérebro que dá o start às crises agudas.
Ainda segundo a Psicanálise, as neuroses, entre elas a lissofobia, seriam a proteção contra a perda do controle totalidade, o que funcionaria uma vez que um fusível que evitaria que o sistema elétrico de uma vivenda (no caso nosso cérebro) entrasse em colapso.
Essa sensação de estar ficando louco é na verdade a liberação exagerada de um hormônio – responsável por nos deixar alerta contra um tanto que põe nossa integridade em risco – chamado cortisol. Junte-se a isto a incapacidade do cérebro de dar um significado ao evento, ao constatar a falta de um objeto real a ser temido. A oriente desconforto causado pelo estranho evento psíquico chamamos de crise de impaciência ou crise de angústia.
Na visão da Psicanálise, ainda que inconscientemente afetos se acumulem e sejam os responsáveis pelo surgimento da impaciência, nosso computador, que fica entre as nossas orelhas, não teria uma vez que acessar esta segmento do HD, restando à pessoa viver o processo sem conseguir simboliza-lo ou dar um sentido ao fenômeno. Isso explica as pavorosas angústias provenientes de crises de impaciência, inclusive a falsa sensação de estar “pirando”.
Devido à arquitetura do nosso cérebro capaz de produzir mais perguntas que respostas, a falta de sentido é de longe o maior gerador de impaciência que um ser humano pode vivenciar, seja na procura de um macro ou de um micro significado, isto é, desde atribuir uma lógica a um sintoma até buscar um sentido para a própria existência.
O processo é reforçado ainda por uma sociedade em que se valoriza a procura e geração do maior número de estímulos em forma de informações. É oriundo assim, que nos deparemos com inúmeras situações onde precisamos fazer escolhas no menor tempo verosímil, e que, em não raras vezes, mal temos tempo de valer ou dar a elas um real sentido. Importante frisar que toda escolha, por mais insignificante que possa parecer, pretexto estresse.
Não são poucos filósofos e profissionais psi que atribuem a invenção de um sentido existencial à profilaxia para as angústias humanas. Pensadores uma vez que Heidegger e sua visão ontológica do viver, Viktor Frankl e sua Logoterapia, Winnicott, Gabriel Honoré Marcel e tantos outros ressaltaram a força determinante que o sentido exerce na existência humana.
Modernos psicofármacos têm se mostrado eficientes em moderar os sintomas, que tendem a ser retro alimentados pela própria impaciência com que os pensamentos tentam dar, sem sucesso, um sentido a estas crises. Isto é, quanto mais eu tento desvendar uma vez que funciona o processo da impaciência, mais eu não encontro respostas, o que, por sua vez, alimenta cada vez mais o desconforto.
Palato das palavras de Nichan Dichtchekenian, um dos mais brilhantes terapeutas existenciais do Brasil, que ao tratar do tema já agrega à angústia um porquê: “o pânico causado pela impaciência zero mais é do que o prenúncio de uma transformação. É o proclamação de uma novidade possibilidade de ser, no sentido em que efetivamente essa novidade possibilidade anuncia um risco real que é o de eu deixar a privança em relação a quem eu já sou”.
Se o fenômeno em si, da sensação de enlouquecer diante de uma impaciência sem explicação, está acobertando um mal estar maduro diante de um vazio existencial, é importante que ao atentarmos para a termo “VAZIO” lembremos que qualquer falta de teor pressupõe espaço livre para ser preenchido com um tanto. Com o quê? Talvez esteja aí um dos sentidos da existência: desvendar o que pode preencher oriente vazio…
Fernando Savaglia é Psicanalista didata, membro docente e coordenador do Núcleo Winnicott da Sociedade Paulista Psicanálise (SPP).